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A inclusão de floresta em benefício fiscal de produtora rural, segundo o Carf.


Recentemente foi publicado o acórdão em referência, nos autos do processo nº 10680.726808/2012-12 [1], fruto do julgamento de recursos especiais interpostos pela Fazenda Nacional e por pessoa jurídica contribuinte. Nele, se verifica a apreciação de questões ambientais e tributárias, especialmente relacionadas à exploração de recursos florestais e o reconhecimento do seu enquadramento como ativo passível do benefício fiscal da depreciação acelerada incentivada, em conformidade, inclusive, com notícia veiculada aqui no Consultor Jurídico (ConJur) [2], em 24/2/2022.


Com isso, diante da interessante interdisciplinaridade abrangida pelos temas centrais desse caso, objetiva-se aqui trazer breves considerações acerca das questões envolvidas no referido julgamento, conforme abordagem que se fará a seguir.


1. Da contextualização do caso Para uma breve contextualização do caso, registra-se que o julgamento em comento, foi proferido pela 1ª Turma da CSRF do Carf em sessão realizada em 03/12/2021, cuja publicação do acórdão em referência ocorreu em 22/2/2022.


O assunto tratado, especialmente relativo à exploração de recursos florestais e o reconhecimento do seu enquadramento como ativo passível do benefício fiscal da depreciação acelerada incentivada, se referia aos argumentos recursais apresentados pela pessoa jurídica contribuinte, ao que se deu provimento por maioria de votos.


A partir da análise da íntegra do julgado, verifica-se que a questão central se relacionou ao alcance do conceito de "depreciação" de ativo imobilizado e se seria, então, aplicável à atividade rural relativa à exploração florestal de eucaliptos para produção de carvão vegetal, pois, não gerando frutos, poderia também lhe ser aplicável o conceito de "exaustão".


Por isso, inclusive, o caso apresentou votos divergentes quanto ao provimento da tese recursal do contribuinte, conforme constou na citada notícia veiculada na ConJur [3], em 24/2/2022.


Abaixo, serão abordados aspectos do benefício fiscal tratado no caso analisado atrelado às reflexões ambientais acerca da exploração econômica de florestas plantadas.


2. Do benefício fiscal da depreciação acelerada O ponto central em análise no acórdão ora avaliado é o alcance e limites que foram considerados ao interpretar o benefício fiscal concedido pelo art. 6º da Medida Provisória (MP) nº 2.159-70/2001, no que tange os bens do ativo imobilizado sujeitos à exaustão, que transcrevemos a seguir:


"Artigo 6o — Os bens do ativo permanente imobilizado, exceto a terra nua, adquiridos por pessoa jurídica que explore a atividade rural, para uso nessa atividade, poderão ser depreciados integralmente no próprio ano da aquisição."


O contribuinte sustentou que o Regulamento do Imposto de Renda, ao tratar da depreciação integral, remetia ao artigo 58 que define, no âmbito da tributação das pessoas físicas, a atividade rural. Entretanto, o benefício reinstituído por meio da MP nº 2.159-70/2001 não faz qualquer vinculação com a legislação anterior, razão pela qual é de ser concluir que o legislador pretendeu sim incentivar a atividade rural, de forma ampla.


Ainda que se assumisse que a legislação tributária tenha equiparado os conceitos de amortização, exaustão e depreciação para fins fiscais, o desafio seria ultrapassar a rubrica de bens do ativo permanente imobilizado no que tange ao maquinário utilizado na exploração de carvão vegetal, conforme argumentou a contribuinte.


Em resumo, no voto do relator, conselheiro Alexandre Evaristo Pinto, concluiu-se que a produção de carvão vegetal está classificada como ativo biológico, de acordo com o CPC [4] 29, e não como ativo imobilizado, conceituado no CPC 27. No entanto, vale destacar que o CPC 29 foi emitido em 2009, de forma que ao tempo dos fatos

geradores que ensejaram a autuação, inexistia esse grupo de contas (fls. 1317-1319).


O entendimento do Relator foi de que o enquadramento contábil à época dos fatos era de ativo imobilizado, de forma que o benefício fiscal prescrito no artigo 6º da MP nº 2.159-70/2001 deveria ser interpretado em sentido amplo, incluindo a exaustão, já que é inequívoca a exploração de atividade rural.


De um outro lado, o voto divergente da conselheira Edeli Pereira Bessa, rejeitou a pretensão do contribuinte, por considerar indiscutível que a atividade (cultura) em análise é permanente, sujeitando-se a exaustão, e que o benefício em comento prevê apenas a depreciação integral dos bens do ativo permanente imobilizado, não sendo possível estendê-lo aos bens realizados mediante exaustão (fl. 1328).


Para arrematar o tema, o entendimento se consolida a favor do contribuinte, através do voto do conselheiro Luiz Tadeu M. Machado, transcrevendo manifestação anterior no voto condutor proferido no Acórdão nº 1302-002.116, de 16 de maio de 2017, que embora se tratasse de exploração da atividade de cana-de-açúcar, verificou-se que o tratamento contábil dado à exploração florestal, segundo as normas contábeis é o mesmo dado à cana-de-açúcar.


Nesse sentido, foi defendido o entendimento de que o termo "depreciação" utilizado no texto legal deveria ser interpretado como a possibilidade de dedução dos investimentos feitos na atividade rural como um todo, como se fossem custos no ano de sua aquisição, em simetria com o tratamento dado à atividade rural para as pessoas físicas (fl. 1338).


Rebateu também o argumento de que o artigo 111 do CTN determina a interpretação literal da legislação tributária em casos de suspensão ou extinção dos créditos tributários, outorga de isenção e dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias, por (1) entender que um benefício fiscal não configura casos de suspensão ou exclusão dos créditos tributários, e (2) porque de acordo com a melhor doutrina e a jurisprudência do STJ, o termo "literal" deve ser entendido como restritivo, em sua análise, devendo compatibilizar com os princípios constitucionais tributários, de forma que, de um lado, evitem-se "interpretações ampliativas ou análogas" e por outro, não levem "a interpretações que restrinjam mais do que a lei quis" (fl. 1335).


Com isso, verifica-se que muito embora o benefício fiscal em comento tenha sido aplicado no âmbito do acórdão analisado, é importante pontuar que o assunto comporta entendimentos e razões distintas, cuja aplicação em outras situações análogas, demandam análise detalhada, pontual e individualizada.


Expostas as considerações acima, abordaremos alguns pontos relacionados à exploração econômica de florestas plantadas, conforme se verifica a seguir.


3. Da exploração econômica de florestas plantadas A exploração econômica de florestas plantadas de eucalipto se trata da atividade denominada silvicultura, praticada no Brasil desde o início do século 20. As referidas florestas possuem funções relevantes no meio ambiente, como "(...) diminuição da pressão sobre florestas nativas; reaproveitamento de terras degradadas; sequestro de carbono (...)" [5], dentre outros.

As florestas plantadas, ademais, são consideradas como ativos das pessoas jurídicas, uma vez que se destinam à comercialização, consumo e até a industrialização dos produtos e sub-produtos florestais [6]. No julgado em comento, como dito acima, a exploração florestal da contribuinte recorrente se destinava à produção e comercialização de carvão vegetal.


No que diz respeito aos aspectos ambientais do tema, considerando o objeto deste artigo, é válido pontuar que de uma forma geral, a atividade de silvicultura é tratada pela Lei Federal nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA), do seguinte modo:


"Silvicultura: exploração econômica da madeira ou lenha e subprodutos florestais; importação ou exportação da fauna e flora nativas brasileiras; atividade de criação e exploração econômica de fauna exótica e de fauna silvestre; utilização do patrimônio genético natural; exploração de recursos aquáticos vivos; introdução de espécies exóticas, exceto para melhoramento genético vegetal e uso na agricultura; introdução de espécies geneticamente modificadas previamente identificadas pela CTNBio como potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente; uso da diversidade biológica pela biotecnologia em atividades previamente identificadas pela CTNBio como potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente". (Anexo VIII, item nº 20).


Referida atividade é considerada como potencialmente poluidora conforme Resolução Conama [7] nº 237/1997[8] (Anexo I) e nos termos PNMA, artigo 17, II, 17-A, 17-B e 17-C, Anexo VIII, item nº 20 e, por isso, de uma forma geral passível de licenciamento ambiental prévio.


É relevante registrar, contudo, que devem ser observadas, igualmente, as normas estaduais e municipais a respeito do tema (sobretudo, estaduais), considerando as previsões constitucionais previstas nos artigos 23. VII e 24, VI, por isso a importância de se analisar cada caso concreto.


Ademais, se destaca que quando a atividade em comento é "(...) realizada em área apta ao uso alternativo do solo [9], é equiparada à atividade agrícola, nos termos da Lei nº 8.171/1991 (...)" (artigo 72, do Código Florestal Brasileiro, Lei Federal 12.651/2012).


O Código Florestal Brasileiro define o uso alternativo do solo como sendo a "substituição de vegetação nativa e formações sucessoras por outras coberturas do solo, como atividades agropecuárias, industriais, de geração e transmissão de energia, de mineração e de transporte, assentamentos urbanos ou outras formas de ocupação humana", nos termos do artigo 3º, VI.


Nesse sentido, a supressão de vegetação nativa para esse uso, dependerá de cadastramento do imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e de autorização prévia do órgão ambiental estadual competente (artigo 26, Código Florestal Brasileiro).


Ainda, em se tratando de exploração de vegetação nativa e de formações sucessoras, deve se proceder ao prévio licenciamento ambiental junto ao órgão competente mediante aprovação prévia de Plano de Manejo Sustentável (artigo 31, Código Florestal Brasileiro).


Considerando que as florestas existentes no Brasil de modo geral e demais formas de vegetação nativa, são bens de interesse comum de todos (artigo 2º, Código Florestal Brasileiro), algumas possuem, inclusive, proteção constitucional específica, como a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica [10], o Pantanal mato-grossense, entre outras (artigo 225, §4º, Constituição Federal - CF):


Por fim, é importante mencionar, que a prática irregular de atividades lesivas ao meio ambiente "sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados". (artigo 225, §3º, CF, com correspondência no artigo 14, §1º da PNMA).


4. Considerações finais Diante do exposto observa-se que:

(1) Em matéria tributária e, com base no julgado analisado, o assunto envolvendo a exploração de recursos florestais e o reconhecimento do seu enquadramento como ativo passível do benefício fiscal da depreciação acelerada incentivada, comporta posicionamentos diversos.


(2) Por outro lado, se verifica a importância da discussão do assunto, considerando a interdisciplinaridade envolvida e que cada vez mais poderá ser objeto de apreciação perante as CSRF do Carf.


(3) Por fim, em matéria ambiental, a exploração econômica de florestas plantadas merece especial atenção no que se refere aos procedimentos prévios relativos ao licenciamento ambiental e às autorizações ambientais prévias (quando o caso), a fim de que possa ser exercida de forma a atender as normas ambientais aplicáveis (federais, estaduais e municipais), sendo de suma relevância a análise individualizada de cada situação concreta.


5. Referências

Carf. Acórdão nº 9101-005.919. Acessível em: https://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/ConsultarJurisprudencia/consultarJurisprudenciaCarf.jsf, acesso em 1/3/2022.

BRASIL. Constituição Federal.

BRASIL. CONAMA. Resolução nº 237/1997.

BRASIL. Governo Federal. Dados disponíveis em: https://snif.florestal.gov.br/pt-br/florestas-plantadas/405-as-florestas-plantadas, acesso em 3/3/2022.

BRASIL. Lei Federal nº 6.938/1981.

BRASIL. Lei Federal 12.651/2012.

BRASIL. Medida Provisória nº 2.159-70/2001.

[1] Acessível em: https://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/ConsultarJurisprudencia/consultarJurisprudenciaCarf.jsf. [2] Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-fev-24/carf-autoriza-inclusao-floresta-beneficio-fiscal-produtora-rural, acesso em 1/3/2022. [3] Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-fev-24/carf-autoriza-inclusao-floresta-beneficio-fiscal-produtora-rural, acesso em 1/3/2022. [4] Comitê de Pronunciamentos Contábeis. [5] Conforme dados disponíveis em: https://snif.florestal.gov.br/pt-br/florestas-plantadas/405-as-florestas-plantadas, acesso em 3/3/2022. [6] Nesse contexto, observe a previsão a seguir, contida no Decreto-Lei nº 1.483/1976, que dispõe acerca da correção monetária do valor dos recursos florestais e dos direitos de sua exploração: "Artigo 1º — O valor original das florestas integrantes do ativo das pessoas jurídicas, que se destinem ao corte para comercialização, consumo ou industrialização, será corrigido monetariamente de acordo com as normas que regem a correção monetária do ativo imobilizado, observadas as disposições deste Decreto-lei. (...)". [7] Conselho Nacional do Meio Ambiente. [8] Dispõe acerca da revisão e complementação dos procedimentos e critérios utilizados para o licenciamento ambiental. [10] A regulamentação da proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica está prevista, atualmente, na Lei Federal nº 11.428/2006.


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